Dance como se ninguém estivesse vendo
Cante como se ninguém estivesse ouvindo
E beba como se fosse o último dia de sua vida

quinta-feira, 9 de fevereiro de 2006

O cripto-filos postergado

O dia tão adiado finalmente chegara. Mesmo depois de um dia escaldante e estressante, o Equilibrista estava bem-humorado, porém, faminto. Faltava pouco mais de dois ciclos do relógio para a metade da noite e o bardo não havia feito sua refeição noturna. Pôs-se, então, a caminho do local combinado: um estabelecimento misto onde podia-se comer e cantar em cubículos isolados para grupos distintos. Foi o primeiro a chegar. Esperou e esperou, até que resolveu entrar em contato com alguém. Como havia conversado com Lebre Platina recentemente, sua assinatura numérica estava entre as primeiras na memória de Aço Negro, então foi com ela que estabeleceu uma interface auditiva. Descobriu que ela nem tinha saído de sua morada ainda, pois estava esperando seu consorte, o Porífero. Ambos sofreram um ligeiro trauma devido a um choque anafilático cultural com a comida daquela taverna, então nenhum dos dois tinha a menor intenção de acompanhar o Equilibrista em seu repasto. E ninguém sabia se o esfomeado aventureiro iria, realmente, sentar-se à mesa sozinho, pois houve um pequeno lapso de comunicação quando do acertamento dos detalhes, não ficando claro se haveriam de se encontrar para jantar ou apenas para cantar.

Como seu vácuo gástrico estava alarmante e a estalajadeira avisou que as atividades culinárias estavam para se encerrar, o Equilibrista resolveu pedir seu prato predileto (naquele estabelecimento): uma refeição nipônica com crustáceos decaptados empanados. Nisso, chegaram a Artesã e seu cônjuge, Antártico. O casal já havia jantado, então apenas observariam o Equilibrista se regozijar. As próximas a adentrar o recinto foram a Vítima e sua irmã Antares. Ao vislumbrarem um cartaz com um novo e apetitoso prato e para não deixar o Equilibrista comendo sozinho, as duas resolveram pedir a novidade. A comida já estava à mesa e os três, se fartando quando se juntaram ao grupo a Lebre Platina e Porífero.

Três quartos de ciclo de relógio do horário combinado haviam se passado quando chegaram LeeLoo e seu cônjuge, o Cantor Sereno. O casal não havia jantado e a cozinha da taverna já não estava mais funcionando. Então foram obrigados a partir em uma busca de comida, deixando o grupo momentaneamente. Nesse ínterim, chegou a Tecnocrata, que também não tivera sua refeição noturna. Como soube que o casal sereno estava caçando, usou sua versão do Aço Negro, a Primogênita, para pedir que mais uma refeição fosse incluída na busca.

Ainda estavam faltando Influenza e seu esposo Propedêutico Alegre e Sonâmbula (R.P. localizava-se fora das fronteiras tupiniquins e Irmã Gêmea estava desaparecida, portanto as duas não eram esperadas). Mas mesmo assim, os presentes resolveram ocupar o cubículo que haviam reservado e iniciar a sessão de tortura, ou melhor, de extravazamento de emoções através da voz (justiça seja feita: o termo "tortura" apenas seria inadequado se se referisse ao Cantor Sereno). O repertório de canções dos dispositivos de armazenamento era enorme e eclético, não se restrigindo aos idiomas convencionais. O casal sereno retornou de sua busca antes mesmo de a primeira música ser tocada. Pouco estrago fora feito nos tímpanos antes que Influenza e Propedêutico Alegre chegassem e, para a estupefação de todos, o sizudo porém alegre (fica aqui um ligeiro jogo de palavras antagônicas...) Propedêutico fez (ou tentou fazer) sua voz soar liricamente, o que ocasionou vários disparos de imortalizadores de momentos.

Como o Propedêutico Alegre era muito bem quisto, o trio formado pelo Porífero, Antártico e Equilibrista dedicou-lhe uma canção que contava a metamorfose de um católico em um híbrido cibernético. Apesar de toda a demostração de estima, o Propedêutico pareceu não ter apreciado muito a homenagem.

Muito tempo se passou e nada da Sonâmbula aparecer. O Equilibrista, ao estabelecer uma interface com ela, ficou sabendo que em breve o grupo estaria todo reunido para que a troca de presentes pudesse ser feita. Como a comunicação entre os que estavam no cubículo estava deficiente devido aos altos decibéis que reberveravam entre suas paredes, Vítima estabeleceu novamente uma interface com Sonâmbula e recebeu a mesma informação.

Como a última a chegar era também a que portava a caixa cerimonial dos cripto-filos da Facção Filantrópica, à Sonâmbula foi dada a honra de iniciar as trocas (quem recebia a caixa cerimonial ficava encumbido de zelar pelo artefato durante todo o ciclo planetário ao redor do sol, até o próximo cripto-filos, quando seria entregue a um novo portador).


Continua, mas não será narrada

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sexta-feira, 3 de fevereiro de 2006

Caixa de Pandora

Com muito custo, o Equilibrista aprontou-se para partir em direção à sua guilda, mas foi tomado por um sentimento que misturava surpresa e alegria ao ver um ferreiro consertando a gôndola de translado vertical de sua torre. Será que estaria impossibilitado de chegar aos níveis inferiores e, conseqüentemente, de deixar seu reduto? Infelizmente, ao indagar ao ferreiro se os reparos iriam demorar, ficou sabendo que a gôndola alternativa estava funcionando e achou bastante peculiar ver o sentinela da entrada conduzindo-a (vale citar que esse sentinela não era o que tinha o costume de abandonar seu posto).

Já em sua guilda, começou a ler as mensagens em sua caixa postal, mas só depois de resolver vários assuntos com seu superior hierárquico, que, ao que parecia, estava bastante ávido para ver o Equilibrista labutando. Uma de suas correspondências avisava que a troca de presentes entre amigos com identidade não revelada (doravente, cripto-filos) seria realizada no dia seguinte. Como houve um evento de magnânima importância na mesma época em que essa troca costumava ocorrer, a Facção Filantrópica decidiu postergá-la. O cripto-filos então seria realizado com atraso de dois ciclos lunares, aproximadamente.

Cansado e com calor, o Equilibrista resolveu deixar a guilda e partir em busca de algum item para presentear seu cripto-filo. Chegou ao centro de escambo da Cidada Dourada e por lá vagou durante algum tempo, tentando decidir a natureza do artefato que iria adquirir. Resolveu dar uma vestimenta e, então, perambulou por diversas lojas. Finalmente encontrou o presente que satisfazia seu gosto, ultrapassava apenas um pouco da faixa de valores estipulada e poderia agradar o receptor. O vendedor perguntou se se tratava de um presente para o progenitor do Equilibrista, ao que este respondeu "você pode não acreditar, mas é para..." - nesse momento, o Equilibrista poderia jurar que o interlocutor pensou em 'namorado', dado o olhar simpático que recebeu - "... um cripto-filo". O vendedor realmente se mostrou surpreso e havia mesmo razão para estar.

Com a busca terminada, pôs-se a caminho de seu reduto. Quando o Equilibrista estava prestes a atingir seu destino, o céu tornou-se negro e despejou sua fúria hídrica. Como era previnido, o bardo carregava sua abóbada impermeável portátil e pôde completar seu trajeto relativamente seco e, mal atravessou o portal de sua torre, foi-lhe entregue uma caixa. Os olhos do Equilibrista brilharam de satisfação. A entrega estava atrasada, mas havia chegado em boa hora, pois haveria tempo de desfrutar o seu conteúdo antes dos dias atribulados que se seguiriam.

A gôndola de translado vertical já havia sido reparada, então o Equilibrista subiu tranqüilamente ao seu reduto, embora bastante carregado: sua alforja fiel, a sacola com o presente de seu cripto-filo, a caixa tão esperada e a abóbada impermeável portátil (em seu modo de descanso, obviamente). Depois de livrar-se da poeira da estrada, dirigiu-se imediatamente àquela caixa. O aventureiro desconfiava de seu conteúdo, pois o que estava esperando não necessitaria de um envoltório com aquele volume. Então, mais uma vez naquele dia, foi tomado por um sentimento que misturava surpresa e alegria. Teriam os mercantes se enganado e mandado a versão extravagante do item que o Equilibrista havia encomendado? E, mais uma vez naquele dia, suas expectativas foram frustradas. Sendo que, desta vez, de uma forma ainda pior, pois os mercantes realmente se enganaram e mandaram um item completamente diferente do que havia sido especificado.

Recomposto após essa surpresa mais do que desagradável, o Equilibrista enviou um pergaminho binário aos mercantes, solicitando uma providência, mas já sabendo que esta demoraria, uma vez que o item atravessara distâncias continentais para chegar até ele.

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quarta-feira, 1 de fevereiro de 2006

Sacrifícios pelas mídias

Em um dia deveras cinzento, o Equilibrista dirigiu-se a um terminal templário autômato para adicionar um singelo numerário ao seu estoque de recursos para uso imediato. Havia poucas pessoas que esperavam por sua vez de operar o terminal antes do bardo embriagado, mas este calculou que não precisaria esperar mais de um dozeavos de um ciclo do relógio. E a previsão se mostrou certa. Com esta tarefa cumprida, a próxima, no seu cronograma, seria ir à Santa Tecnológica.

Como a região era ligeiramente tumultuada, o Equilibrista aproveitou a relativa privacidade do recinto dos terminais para separar algumas cédulas monetárias. Quando abriu sua carteira, foi surpreendido pela presença de uma cédula que não deveria estar lá, mas dentro do envelope inserido no terminal. Logo após essa descoberta, Aço Negro começou a anunciar um pedido de interface auditiva. Era o Andarilho tentando se comunicar. O Equilibrista estabeleceu a interface, mas, aparentemente, não deveria estar se expressando normalmente, pois o Andarilho quis saber o por quê daquela "voz de grandes glúteos". Mas o motivo não foi explicitado naquele momento, uma vez que havia outras pessoas nas proximidades e o Equilibrista não tinha a menor intenção de anunciar sua estupidez a ouvintes aleatórios.

Ligeiramente irritado pelo seu equívoco, o aventureiro deixou os terminais e pôs-se a caminho da Santa Tecnológica. Quando olhou para o céu, viu nuvens negras como sacos de crina pairando sobre a cidade. Um temporal era iminente. Enchendo-se de coragem, decidiu manter seu itinerário, pois T-L estava em seu limite de capacidade de recordação, então adquirir discos espelhados com altíssima capacidade de armazenamento era extremamente necessário.

Tentando antecipar-se à tormenta que se pronunciava, o Equilibrista apressou-se. Andava rapidamente enquanto desviava-se de transeuntes à deriva, grito-anuciantes, anões panfleteiros e outros obstáculos.

Reconheceu a galeria onde eram vendidos os discos espelhados pelo revestimento de placas cerâmicas vermelhas. Antes de entrar, o Equilibrista vislumbrou mais uma vez aquele cenário apocalíptico com a abóbada celeste coberta por uma cortina plúmbea que ameaçava descarregar sua fúria pluvial a qualquer instante (haja fôlego para ler essa frase em voz alta). Localizou a loja específica bem no fundo da galeria e a transação ocorreu rapidamente. O Equilibrista admirou-se com o valor dos discos espelhados. Eram 37,5% mais baratos do que aqueles que comprara em sua fonte habitual. Mas a maior diferença de valor agregado estava nos invólucros para os discos, que era superior a 50%. Com o fim da busca, o Equilibrista estaria apto a retornar ao seu reduto não fosse a enxurrada que caía dos céus. Foi obrigado a esperar por meio ciclo do relógio para que pudesse pisar fora da galeria sem correr o risco ficar totalmente impregnado pelo elemento líquido.

Na sua viagem de volta, novamente o aventureiro teve que se esquivar de
transeuntes à deriva, grito-anuciantes, anões panfleteiros e outros obstáculos, mas tudo isso piorado pelo fato de quase todos, inclusive o Equilibrista, estarem usando abóbadas impermeáveis portáteis.

Finalmente em seu reduto, o Equilibrista, que havia evitado molhar-se até então, alegremente livrou-se da poeira da estrada com um bom banho. Novamente seco e curioso para ver e usar suas novas aquisições, colocou T-L para queimar os discos espelhados (a trasferência da memória dos terminais pessoais para discos espelhados era feita através da queima dos últimos). Quando pegou um dos invólucros para guardar o disco queimado, o Equilibrista descobriu a razão do baixo valor agregado daquelas caixas poliméricas: seu acabamento era péssimo.

Um pouco arrepedido, o bardo cortou as rebarbas do invólucro e acomodou o disco, torcendo para que este não fosse, também, de qualidade inferior.

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